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Brincar Livre
Agosto de 2023

“Coragem é uma das mais importantes virtudes

Porque sem coragem não podemos praticar nenhuma das outras virtudes com consistência.”

Maya Angelou

 

Esticar o pezinho mais um pouquinho, alongando até o último dedinho e conseguir alcançar o galho mais alto. O sentimento de prazer, conquista e vitória que a criança vive naquele momento ficará registrado para sempre em seu repertório emocional. A brincadeira da criança é um treino para a vida, testando as possibilidades e aprendendo a calcular os resultados, a falha faz parte e ensina muito.

Nas escolas Waldorf todas as crianças são estimuladas a brincar livremente, deixar a imaginação fluir, conquistando novos espaços e novas habilidades físicas e cognitivas. Exploram o tato, equilíbrio, o movimento e o sentido vital. Nos primeiros anos de vida, convidamos as crianças a explorar o mundo e o perceber de maneira natural e consistente. Ao cuidador de uma criança, cabe a tarefa de ensiná-las a dominar o ambiente em que vivem, não o temerem.  

Pesquisas apontam para as vantagens das brincadeiras arriscadas durante a infância. Brincadeiras arriscadas são aquelas que desafiam os sentidos das crianças, exigindo concentração, atenção organização lógica dos pensamentos, imaginação e criatividade. São muito diferentes das brincadeiras perigosas, onde os riscos não são calculados e nem intermediados por um adulto.

As brincadeiras arriscadas, ainda que deixem os avós com o coração na mão, servem como um teste do mundo. Os pequenos testam suas habilidades, capacidades e aprendem muito rapidamente a calcular riscos e possibilidades. Através destas brincadeiras as crianças desenvolvem responsabilidade, habilidade social, cognitiva, resiliência, suas funções motoras e a linguagem. É necessário que tracem um plano de ação, prevendo suas consequências.

Passinhos aflitos correndo pela casa e gritando — “eu ajudo, eu ajudo!” — ao menor som de movimentação na cozinha, tão habituais em muitas famílias, demonstram o interesse das crianças pelos objetos de trabalho dos adultos. Objetos esses que podem apresentar riscos. Porém, quando autorizados a abrir a massa do pão com o rolo, bater o bolo com o fouet e estraçalhar uma cenoura com uma faca cega, as crianças entendem que são dignas de confiança, que são capazes e que possuem um papel importante dentro da família.

Basta o armário que guarda a escada abrir para a criança já avisar: — “eu subo primeiro!!” — Além da conexão com os pais, subir em árvores e escadas altas treina o equilíbrio e a noção do movimento.

Bicicletas velozes, árvores altas, emocionantes fugas e perseguições com os colegas, o pique-esconde na casa da vó com esconderijos secretos e perigosos são formas de testar os limites do corpinho, a resiliência do emocional e principalmente originar um processo criativo para a solução dos problemas.

As brincadeiras com fogo, água, gelo, galhos, folhas, areia e todos os possíveis elementos que a natureza fornece permite que os pequenos aventureiros testem de maneira concreta o mundo que os circunda. A impermanência da natureza provoca uma série de estímulos que brinquedos de plástico, sempre da mesma cor e formato não possibilitam.

A profunda conexão com a natureza e com as pessoas ao redor só é possível se permitirmos nossos filhos explorarem, sentirem e até mesmo se frustrarem com suas derrotas e limitações. Em um movimento de proteção dos nossos pequenos, tentamos limitar e conduzir brincadeiras que deveriam ser livres, espontâneas e intensas.

A autorregulação necessária para lidar com o medo, o desafio e o estresse positivo destas brincadeiras permitem que as crianças desenvolvam ferramentas que lhe acompanharão durante toda a vida adulta. Que nós sejamos sempre a ponte entre a criança e o ambiente que a circunda, jamais o portão fechado.




Pollyana Varela Serpa Voltolini